Em 21 de abril, homens armados invadiram a casa de Narciso Beleño na cidade de Santa Rosa del Sur, no norte da Colômbia, e o mataram a tiros. O ativista, morto aos 62 anos, dedicou sua vida à lutar contra grandes projetos de mineração que ameaçam a Serranía de San Lucas, uma formação montanhosa que abriga uma das maiores biodiversidades do país.
Beleño é uma das mais recentes vítimas de um conflito que se disseminou por várias regiões da Colômbia. Trata-se de uma disputa em que as comunidades locais enfrentam economias ilegais, projetos internacionais de mineração e grupos guerrilheiros, como o Exército de Libertação Nacional (ELN) e dissidentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).
Diversos relatórios da Comissão da Verdade, instituída após os acordos de paz de 2016 com as Farc, registraram as origens e as causas do longo conflito armado na Colômbia. Eles destacam ativistas ambientais, como Beleño, que resistiram à expansão de atividades extrativistas, muitas vezes incentivadas pelo Estado colombiano. Enquanto isto, apesar das tentativas do governo do presidente colombiano, Gustavo Petro, de implementar reformas para proteger esses ativistas, comunidades e organizações alertam que suas vidas continuam em risco.
Resistência contra a mineração
Um bom exemplo de resistência comunitária é da Fedeagromisbol, organização de pequenos agricultores e mineradores que promove práticas sustentáveis no sul do departamento de Bolívar e que luta pela paz, mineração responsável e agricultura sustentável.
A organização atua na Serranía de San Lucas, importante reserva de ouro na Colômbia, hoje explorada pela multinacional sul-africana AngloGold Ashanti. A mineradora conseguiu em 2004 uma licença para minerar na área, e seu acesso foi facilitado por uma unidade do exército colombiano. Em 2006, esse grupo foi acusado de capturar e matar dois líderes da Fedeagromisbol que lideravam protestos contra a presença da companhia na região.
“A Serranía de San Lucas é uma das grandes reservas de ouro da América Latina, e sua população impediu sua exploração”, explicou Gladys Rojas, coordenadora da organização Corporación Sembrar, que atua em questões de paz e justiça social.
Há uma crescente presença de grupos armados na área — como o ELN e facções paramilitares — atraídos pelas potenciais riquezas dos depósitos de ouro. Uma pesquisa do Centro Nacional de Memória Histórica, entidade pública que documenta o conflito colombiano, mostra que esses grupos vêm disputando o controle territorial há décadas.
A organização direciona seus esforços à defesa política e a apresentação de ações legais em tribunais internacionais, abordando questões cruciais para a região, como o acesso à terra, vida digna, memória e direitos humanos, segundo o Centro Nacional de Memória Histórica.
Em 2009, um ano após o assassinato de outro ex-líder da Fedeagromisbol, Edgar Martínez Ruiz, o grupo ganhou uma medida cautelar da Comissão Interamericana de Direitos Humanos cobrando do governo colombiano ações para proteger os líderes da organização.
Desde o assassinato de Beleño, observadores descrevem a região como um local cada vez mais perigoso. Rojas destaca haver um cerco paramilitar com “forte controle social”. Segundo ela, várias bases paramilitares foram estabelecidas na área de mineração. “Hoje, essas bases estão dentro dos vilarejos, o que aumenta o controle [dos paramilitares] sobre a população”.
‘Paz com a natureza’: Objetivo distante
Um relatório deste ano da Global Witness, que monitora a violência contra ativistas socioambientais no mundo, mostrou que a Colômbia foi o país com o maior número de mortes desse grupo em 2023, totalizando 79 casos. O documento conta com a colaboração da Somos Defensores, principal organização colombiana dedicada a monitorar essas ameaças no país.
Astrid Torres, coordenadora da organização, destacou não ter havido “nenhuma redução” na violência na primeira metade deste ano em comparação a 2023. Segundo ela, há um problema estrutural de perseguição histórica contra ativistas na Colômbia.
“Isso se deve não apenas a atores armados legais ou estruturas estatais que frequentemente perseguem e estigmatizam esses defensores, mas também a atores armados ilegais que, no contexto do conflito político, social e armado, os transformaram em inimigos”, acrescentou.
Em dezembro de 2023, o Tribunal Constitucional, mais alta Corte da Colômbia, reconheceu a gravidade da situação enfrentada por ativistas de direitos humanos. Na decisão SU-546, o tribunal exigiu que o Estado adotasse medidas para garantir sua segurança e justiça.
Torres observa que a situação é crítica devido aos atrasos na implementação do acordo de paz de 2016 entre o Estado colombiano e as Farc. Ela aponta falhas no combate ao paramilitarismo e uma persistente impunidade de grupos armados na região.
Não há nenhuma política clara, nenhuma ação concreta do Estado para acabar com a situação de risco para os ativistasAstrid Torres, Somos Defensores
Isso foi agravado pela falta de coordenação do Estado, que foi incapaz de proteger líderes como Beleño, diz Torres: “Não há nenhuma política clara, nenhuma ação concreta do Estado para acabar com a situação de risco para os ativistas”.
Torres diz ainda haver falhas na estratégia de paz promovida pelo governo Petro, que, embora tenha sido criada “com boas intenções”, teve poucos resultados. Essa política, conhecida como Paz Total, travou negociações com os principais grupos armados ilegais da Colômbia para tentar reduzir a violência do país. Mas, segundo ela, as negociações não chegaram a ações concretas.
A organização de Torres registrou agressões contra ativistas socioambientais praticadas por grupos guerrilheiros após o início do diálogo com o governo. No primeiro semestre de 2024, dissidentes das Farc e o Clan del Golfo foram responsáveis pelo maior número de violências.
Escazú e COP16
Em 28 de setembro, o presidente Gustavo Petro anunciou que a Polícia Nacional havia prendido membros do Clan del Golfo apontados como responsáveis pelo assassinato de Beleño. Esse grupo paramilitar — também conhecido como Autodefensas Unidas Gaitanistas — tem ampliado sua atuação e fortalecido sua presença na região.
Os suspeitos foram presos durante a Operação Themis, iniciativa do Ministério da Defesa voltada para identificar os responsáveis por assassinatos de líderes locais e signatários do acordo de paz na Colômbia. O veículo independente Voragine publicou uma declarações do Clan del Golfo, alegando que ex-integrantes das forças de segurança do país que hoje integram o grupo guerrilheiro, estariam envolvidos no assassinato de Beleño.
Enquanto isso, o governo Petro tem colocado o enfrentamento às mudanças climáticas entre suas prioridades, promovendo iniciativas e criando espaços de diálogo e ação. Essas medidas têm sido recebidas ao mesmo tempo com ceticismo e esperança por setores do país.
Um desses espaços foi a COP16, cúpula de biodiversidade da ONU, realizada recentemente em Cali, na Colômbia. Antes da conferência, Tatiana Roa, vice-ministra de Gestão Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, destacou que o objetivo deste ano era transmitir uma mensagem crucial: “A ‘paz com a natureza’ é um apelo urgente diante da crise civilizatória que enfrentamos e da necessidade de medidas imediatas. A paz com a natureza nos obriga a repensar o que entendemos por desenvolvimento e progresso”.
Nelson Orrego, líder da Serranía San Lucas, disse que, durante a COP16, foi realizada uma reunião entre representantes de diversas organizações sociais de San Lucas e o governo nacional. O encontro resultou em um documento de compromissos, no qual foi incluído um ponto específico sobre a proteção dos líderes locais e das comunidades que habitam o território.
Outra ação do governo é a implementação do Acordo de Escazú, ratificado em agosto pelo Tribunal Constitucional. Esse tratado regional pode aumentar a segurança dos líderes locais, oferecendo mecanismos de acesso à informação, participação pública e justiça ambiental. Nelson Orrego observa que ele marca “um importante passo à frente, já que serão usados mecanismos legislativos em vigor, e outros serão criados para proteger esses líderes”.
Torres acrescenta: “O Acordo de Escazú nos obriga a agir mais rapidamente em determinadas questões, especialmente em relação aos ativistas ambientais. Ele nos dá a oportunidade de criar mecanismos que realmente garantam a participação cidadã, a transparência das informações e o respeito aos direitos dos ativistas”.
Ambientalistas como Gabriel Tobón, professor da Universidade Javeriana, veem o Acordo de Escazú com otimismo. Ele acredita que, embora os resultados não apareçam rápido, o acordo “estabelece melhores condições para proteger aqueles que se opõem a projetos que ameaçam o território”.
Torres diz que a principal garantia para os ativistas será o avanço do conjunto de reformas sociais proposto pelo atual governo. Esse pacote abrange desde a proteção trabalhista até a ampliação da participação democrática e a melhoria do sistema judiciário. No entanto, ela observa que o avanço tem sido lento no Congresso devido à maioria oposicionista.
“O acesso à terra é crítico nesse conflito, assim como a possibilidade de se construir economias de subsistência que compitam com as economias ilícitas, oferecendo às pessoas alternativas reais”, diz ela.
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